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O Município na Federação

Luís Tarcísio Teixeira Ferreira
Professor da PUC-São Paulo

Início de legislatura. Vereadores recém-eleitos, outros reeleitos, e muitas vezes as mesmas dúvidas: para que serve um vereador? Para que serve meu município?
Primeiramente, temos que ter clara a importância histórica que o Parlamento sempre teve. O Estado de direito no mundo, a ruptura com o absolutismo, só se forma a partir da instituição do Parlamento.
Esse é o movimento histórico que acontece na Inglaterra, que, por obra da burguesia, procura romper com o poder absoluto do rei e com a sede fiscal do Estado. O cidadão, que se via constrangido a ceder as suas riquezas para o trono, dá um basta na situação e estabelece que não seria mais possível tributar senão por lei votada pelo comum do povo, eleito em Parlamento.
Assim nasceu o processo legislativo, que é uma disputa entre o poder absoluto e o poder do povo. E o povo é o Parlamento. O absolutismo é rompido e o Estado de direito nasce com a criação do Parlamento. Não é por outra razão, que em todo país em que há um golpe de estado, a primeira coisa que se faz é fechar o Parlamento.

Mais à frente, também em um movimento histórico, nasce a idéia de Federação nos Estados Unidos da América (EUA). As colônias que se libertaram do jugo da coroa britânica declararam independência e, posteriormente, uniram-se para criar uma pessoa jurídica formada da união dessas províncias.

No sistema norte-americano, os Estados reservaram a si uma série de competências. A União só ficou responsável por aquelas matérias que foram expressamente a ela delegadas no pacto federativo. Todo o resto é de autonomia dos Estados.

A nossa história também é de uma Federação, mas de uma Federação diferente. E aí entra um ponto muito importante: o país nasce pelo município. Não existia o Estado brasileiro ou províncias, o que havia aqui eram os municípios. E, ao contrário dos EUA, em que o que historicamente aconteceu foi absorvido pelo sistema jurídico, no Brasil nós teimamos em andar contra a nossa história. Parte dos pecados que nós pagamos hoje no âmbito dos municípios é devido a essa vontade das nossas elites de andar na contramão da cultura local.

A nossa história nunca foi de Estados. Em torno das sedes dos grandes latifúndios foram crescendo povoados, que se tornaram, posteriormente, cidades. E isso foi gerido não por prefeito municipal, ou por governador de Estado e presidente da República: na época da colônia quem geria o município eram as câmaras municipais. A lei do reino estava longe, e a observância das posturas do reino era muito difícil. Então, o que se observava eram as posturas das Câmaras Municipais.

Em 1922, sobrevém a nossa “Independência”, e o Brasil não rompe totalmente com a coroa portuguesa – fica aqui o nosso príncipe regente, e depois temos uma Constituição Federal, outorgada em 1824. E essa Constituição desconhece todos os 300 anos de história que nós havíamos vivido.

Nesse período colonial, a história do município, do ponto de vista institucional, perde o relevo totalmente – a história do município é deixada de lado, as províncias são remedos de Estado.

Quando sobrevém a República, que foi outra oportunidade de dar um passo adiante e retomar o papel histórico do Brasil, foi criada uma Federação ao estilo da Federação americana. O Estado brasileiro dividido em províncias, e essas províncias virando Estados. E o papel do município novamente relegado.

Só em 1926, aparece o município na Constituição, bem como a expressão “peculiar interesse”: cabe ao município cuidar do peculiar interesse. Mas somente em 88 demos um grande passo à frente, e passamos a falar de autonomia ou de capacidade auto-organizacional – cada município se organiza por Constituição própria. Empregaram um eufemismo para não ofender alguns, e chamaram-na Lei Orgânica.

Por outro lado, quando foi dada tal autonomia ao município, paralelamente a União Federal quis se desvencilhar de uma série de coisas, e repassou para o município obrigações que ele não tem condições de satisfazer pelos recursos que a Constituição deu. Então herdamos, talvez, muito mais obrigações do que meios para realizar e para cumprir essas obrigações. Os municípios se tornaram muito mais fortes a partir da Constituição de 1988, mas cresceram também as nossas obrigações, e tanto União quanto Estados têm se livrado paulatinamente disso.

Assim, embora tenha recebido uma série de autonomias, de 1988 para cá a situação dos municípios não melhorou efetivamente. Muitas cidades não têm definição de para onde ir: não há nenhum incentivo para definir a vocação da cidade. Cidades crescem sem definição alguma, porque não há uma articulação no sentido de definir junto com as populações locais para onde deve crescer o município. Esse debate não é feito, as cidades crescem porque crescem, e crescem com problemas, não há planejamento.

De direito, o município tem autonomia. Tem a capacidade de auto-organização por Lei Orgânica, eletividade dos governantes, e uma série de coisas sobre as quais pode legislar. Então, o quê que falta? Falta o exercício disso.

Vejamos o caso das licitações. Nós deixamos que fosse adotada a Lei Federal 8.666 para as licitações municipais. A Lei Federal vale para a União. Então, é muito razoável que sejam dispensadas as licitações, compras, serviços ou obras acima de determinados valores, porque isso no Orçamento da União é muito pequeno. Ponha isso no Orçamento de um município e você verá que você não faz licitação no âmbito do seu município.

O processo licitatório é algo que pode ser fiscalizado. Quanto mais licitação houver, mais fiscalização terá. Adotemos os limites da Lei Federal de Licitação, e não há fiscalização. Então, para quê que serve um vereador? Se quisermos alguma fiscalização, é melhor que seja adotada lei local a respeito disso.

O município possui uma série de autonomias, que não têm valor se não são exercidas de fato. O vereador e a Câmara Municipal têm a importância que nós dermos a eles, porque temos questões locais que são sumamente importantes para nossa comuna.

Ao mesmo tempo em que se deve tratar das peculiaridades de um município, por outro lado não se pode esquecer que este pertence a uma microrregião. E que essa microrregião tem problemas comuns, e que a somatória dos municípios de uma microrregião é muito mais forte para falar, para reivindicar, do que um município isoladamente.

Nós temos uma série de competências. A resposta para a nossa primeira indagação, para que serve um vereador, parece que é dada na medida em que decidimos exercitar ou não essas autonomias. Ou fazemos de verdade aquilo que está na Carta da República, ou continuaremos a fazer a mesma pergunta. O vereador, seguramente, não serve para dizer amém para a União, para o Estado e para o Executivo. Competência não é dada para ser exercitada se quisermos – competência não é um poder, é um dever. Não estamos investidos no poder de legislar, mas no dever de legislar, sob pena de não sermos merecedores da autonomia que efetivamente a Constituição Federal nos outorgou.

 
 

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